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sábado, 30 de abril de 2011

Abhidhamma

O Tipitaka ou Cânone em Pali foi compilado durante os três grandes concílios que ocorreram na Índia depois da morte do Buda. O primeiro concílio ocorreu em Rajagaha três meses depois do Parinibbana do Buda. Nesse concílio se reuniram 500 monges arahants liderados pelo Ven. Mahakassapa, onde foram recitados todos os ensinamentos do Buda. A recitação do Vinaya pelo Ven. Upali foi aceita como o Vinaya Pitaka; a recitação do Dhamma pelo Ven. Ananda ficou estabelecida como o Sutta Pitaka. Cem anos após o Parinibbana do Buda houve o segundo concílio em Vesali. O terceiro concílio ocorreu em Pataliputra duzentos anos depois do Parinibbana do Buda e nesse concílio o Abhidhamma foi recitado. Mas essa explicação não é suficiente para dar resposta à questão sobre como surgiram esses textos. Ao contrário dos suttas e dos relatos das regras monásticas no Vinaya, os livros do Abhidhamma não trazem qualquer informação quanto à sua origem. Os comentários, no entanto, atribuem essa dissertação ao próprio Buda. O Atthasalini, que traz o relato mais explícito, menciona que o Buda concretizou o Abhidhamma na noite da sua iluminação e que a investigação em detalhe foi realizada durante a quarta semana após a iluminação. Depois disso, durante o sétimo retiro das chuvas o Buda ensinou o Abhidhamma para as divindades do Paraíso de Tavatimsa que incluía uma divindade que havia sido antes a sua mãe. Como demonstração de gratidão para com a sua mãe, que havia falecido sete dias depois do seu nascimento, o Buda ensinou o Abhidhamma durante três meses, para que aquela divindade pudesse alcançar a libertação final. A cada manhã, durante esse período, ele voltava ao plano humano para a sua refeição diária quando então ensinava os métodos ou princípios da doutrina que ele havia tratado para o seu discípulo principal Sariputta. A elaboração detalhada dos ensinamentos do Abhidhamma a partir dos princípios gerais definidos pelo Buda é atribuída a Sariputta que teria transmitido esses ensinamentos aos seus discípulos diretos. O Anupada Sutta (MN 111) relata uma análise detalhada dos processos mentais feita pelo Ven. Sariputta. Muitos outros suttas como por exemplo o Madhupindika Sutta (MN 18) e o Uddesavibhanga Sutta (MN 138) também ilustram situações em que o Buda transmite um ensinamento de forma sumária cabendo aos seus discípulos mais próximos analisar aquilo que foi dito de forma resumida. Sob o ponto de vista Theravada o esquema exposto pelo Abhidhamma é considerado como pertencendo ao domínio dos Budas, ou seja, não é a invenção do pensamento especulativo ou discursivo, ou um mosaico de hipóteses metafísicas, mas a exposição da verdadeira natureza da existência tal como foi compreendida por uma mente que penetrou a totalidade das coisas tanto nos seus níveis mais profundos como no seus maiores detalhes. Dado esse caráter, o Abhidhamma expressa do modo mais perfeito possível o conhecimento onisciente do Buda. É a manifestação de como as coisas são, compreendidas pela mente de um Buda, organizadas de acordo com os dois marcos principais dos seus ensinamentos: o sofrimento e a cessação do sofrimento. Nos países Theravada como o Sri Lanka, Myanmar e Tailândia, o Abhidhamma é altamente apreciado e reverenciado como o pináculo das escrituras Budistas. Como exemplo da estima que o Abhidhamma desfruta, o rei Kassapa V do Sri Lanka (séc. X da era cristã) ordenou que todo o Abhidhamma fosse inscrito em placas de ouro e o primeiro livro decorado com gemas preciosas.
No entanto, nos círculos acadêmicos existem opiniões distintas quanto à origem do Abhidhamma, e baseados em estudos comparativos dos diversos textos disponíveis é traçada uma rota alternativa para os textos canônicos. A palavra abhidhamma aparece nos suttas, mas em contextos que indicam que era um assunto de discussão entre os monges, ao invés de um ensinamento transmitido pelo Buda. Algumas vezes a palavra abhidhamma é encontrada junto com abhivinaya e podemos supor que os dois termos se referem respectivamente ao tratamento analítico, especializado, da doutrina e da disciplina monástica. Um outro fator que os acadêmicos contemporâneos consideram ter sido uma semente no desenvolvimento do Abhidhamma é o uso de certas listas mestras para representar a estrutura conceitual dos ensinamentos do Buda. Com o propósito de facilitar a memorização e visando auxiliar nas explicações, os especialistas na doutrina dentro da Sangha com freqüência formulavam os ensinamentos sob uma forma esquemática. Esses esquemas, que se baseavam nos conjuntos numéricos que o próprio Buda usava com regularidade como armação para expor a sua doutrina, não eram mutuamente exclusivos mas se combinavam e mesclavam de modo a permitirem a sua integração em listas mestras que se assemelhavam a diagramas em forma de árvore. Essas listas mestras eram chamadas matikas, ‘matrizes,’ e a habilidade exigida para o seu uso era algumas vezes considerada como uma das qualidades de um monge erudito. Para ser competente no uso das matikas era necessário conhecer não somente os termos e suas definições, mas também a sua estrutura subjacente e o arranjo arquitetônico que revelavam a estrutura lógica interna do Dhamma. Uma fase inicial do Abhidhamma pode ter consistido da elaboração dessas listas mestras, uma tarefa que exigiria um conhecimento abrangente dos ensinamentos e capacidade para um raciocínio com precisão técnica rigorosa.
Mesmo para os não Budistas que não consideram ter sido o Buda um ser onisciente, mas apenas um eminente e profundo pensador, parece ser improvável que o Buda não pudesse ter ciência das implicações filosóficas e psicológicas dos seus ensinamentos, mesmo que ele não falasse sobre isso desde o princípio para todos os seus discípulos. Considerando a inegável profundidade do Abhidhamma, parece mais provável que pelo menos os seus ensinamentos básicos derivam daquela intuição profunda que o Buda chamava samma sambodhi, a Perfeita Iluminação. Parece, portanto, plausível que a tradição Theravada atribua a estrutura e os elementos básicos do Abhidhamma ao próprio Buda. Uma questão totalmente distinta, é claro, é a origem da literatura ordenada do Abhidhamma tal como a conhecemos hoje. Os textos do Abhidhamma, que foram apresentados no terceiro concílio em Pataliputra, que constituíram o núcleo original do Abhidhamma Pitaka do Theravada, podem ter continuado a evoluir por alguns séculos mais. No primeiro século antes da era cristã o Abhidhamma Pitaka, juntamente com o restante do Cânone em Pali, foi registrado em forma escrita pela primeira vez no Alokavihara no Sri Lanka. Essa versão aprovada oficialmente marca o ponto terminal do desenvolvimento dos textos canônicos do Abhidhamma Pitaka no Theravada.
Um outro elemento, que com freqüência é ignorado, é que ao fazer uma análise comparativa do Abhidhamma com o Sutta Pitaka, são encontrados muitos suttas, em particular no Samyutta Nikaya, que contêm uma quantidade considerável de análises típicas do Abhidhamma. São discursos que fazem uso da linguagem sob a perspectiva da realidade última, (paramattha), empregando estrita terminologia filosófica e explicando a experiência como processos condicionados desprovidos de uma entidade ou substância permanente; como exemplo, os suttas que tratam dos cinco agregados, os dezoito elementos e os seis meios dos sentidos (khandhas, dhatu, ayatana).

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